Igreja e sexualidade: De um lado a hipocrisia de líderes religiosos e, de outro, a busca desenfreada de justificativa bíblica para a imoralidade

Após a leitura de uma reportagem intitulada "Minha família perfeita e a Igreja a destruiu" feita pela BBC Brasil sobre o australiano Anthony Foster que ficou famoso pela busca de justiça contra os abusos sexuais sofridos por suas filhas (Emma e Katie), praticados por um padre católico. (A reportagem pode ser lida no site do terra.com.br/notícias/mundo/minha familia[...]). Anthony faleceu dia 17/06/2017 após dedicar quase duas décadas de sua vida nessa busca.

Além dessa reportagem, a luta de milhares de famílias em todo o mundo que tiveram seus filhos, de ambos os sexos, abusados sexualmente por padres, cujos crimes ainda não receberam o julgamento devido. Esses e outros crimes, como assassinatos e abortos praticados por líderes religiosos, ou mesmo por pessoas consideradas cristãs, precisam ser combatidos por toda a sociedade. 

O triste é que, como a maior parte das reportagens afirmam, a igreja é defensora de princípios morais, mas ao contrário daquilo que prega, as ações e práticas de muitos religiosos causam repulsa e indignação. Principalmente quando as vítimas são tão indefesas quando em sua maioria, têm entre 5 e 17 anos. 

Gostaria de registrar aqui minha indignação e repulsa contra esses atos. Mas, ao contrário do que muitos acreditam, a justiça humana pode até ser falha em relação a essas vítimas, mas a justiça divina não tarda e virá certamente sobre todos os que praticam a maldade. Mesmo que membros da Igreja Católica, na pessoa de seus padres e superiores, tenha assumido a culpa de parte desses crimes e indenizado algumas famílias, dinheiro algum será capaz de comprar a sanidade perdida, ou mesmo apagar os traumas na mente das vítimas. Pra mim a mente é como um vidro polido e completamente limpo. Na medida em que a pessoa inicia seus relacionamentos interpessoais, e muitos deles têm início no útero, mesmo que nem a mãe e nem a criança em seu ventre tenham consciência disso, as impressões deixadas na 'alma' são como marcas de mãos no vidro limpo. Se você observa atentamente, verá que o vidro com o passar do tempo se torna opaco pela quantidade de impressões. É preciso um trabalho minucioso e cuidadoso a fim de limpar novamente a 'alma' dessas impressões a fim de que a pessoa siga sua vida, sem que os traumas a acompanhem.

Um dos papéis de Cristo através da Igreja seria este, por intermédio do Espírito Santo: limpar e polir o 'vidro' de nosso corpo, a nossa própria alma. E nesse contexto, quero abrir um parêntese para os líderes religiosos não apenas católicos, porque a Igreja de Jesus Cristo não está presa a rótulos do tipo catolicismo e protestantismo. A Igreja de Jesus é composta por todas as pessoas que vivem o exemplo de Jesus Cristo na terra, especialmente, no que concerne ao relacionamento uns com os outros (tanto de sua própria família, como de sua fé, e também com todos os seres humanos, isto é, todos aqueles que se encaixam na descrição de próximo: Amarás o teu próximo como a ti mesmo). Esse próximo não tem cor de pele, não tem sexo, não tem raça, não tem religião. Esse próximo não pode ser avaliado em termo algum. Ele é simplesmente o próximo.

O Amor é algo tão banalizado em nosso meio que fica difícil delimitar atualmente. Não se trata de mero sentimento. Sua sede não é o coração como muitos atestam e alegam. Sua sede está na própria alma e isso envolve mente, sentimento, vontade, caráter, disposição, enfim, entre outras coisas. Então amar o próximo seria inicialmente um ato de humildade. Por isso que em muitas traduções a palavra amor vem traduzida como 'caridade'. Na Bíblia há duas palavras para descrever o amor. E cada vocábulo significa um amor específico de acordo com a pessoa com a qual nos relacionamos. Vejamos:

1. Ágape: se traduz no amor de Deus em relação ao gênero humano. Esse vocábulo é apresentado na carta de Paulo aos Romanos 5:5 que diz: "E a esperança não traz confusão, porquanto o amor [o 'agape'] de Deus está derramado em nosso coração pelo Espírito Santo que nos foi dado". É o amor incondicional. Eu discordo daqueles que dizem que ninguém é capaz de amar assim. Mas é esse amor que Deus nos manda amar o próximo. Incondicionalmente. Se voltarmos no contexto em que esse versículo é apresentado podemos ler (v.1-4): "Sendo, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus por nosso Senhor Jesus Cristo; pelo qual também temos entrada pela fé a esta graça, na qual estamos firmes; e nos gloriamos na esperança da glória de Deus. e não somente isto, mas também nos gloriamos nas tribulações, sabendo que a tribulação produz a paciência; e a paciência, a experiência, a esperança". 

Nós conseguimos ter acesso à graça somente por Jesus Cristo. Ele disse que seríamos seus discípulos se fizermos as mesmas obras que ele faz. Então, todo aquele que pratica a injustiça não é de Deus, mesmo sendo um líder religioso. O trabalhar do Espírito Santo pode transformar os corações. Então, como sendo ministro da Palavra, 'representante de Deus' na terra não praticamos as obras que Ele praticou?
A resposta está no versículo 5 registrado acima: Só é capaz de amar com o amor com que Deus nos amou [ágape] aquele que tem o Espírito Santo. Não aquele que se diz cristão ou se autointitula ministro de Deus.

2. Phileo: Esse tipo de amor é o mais comumente praticado entre pessoas da mesma família e entre amigos. Esse vocábulo significa gostar de, importar-se afetuosamente, tratar com carinho, ter prazer em, ter ligação pessoal com. No Evangelho de João capítulo 21 a partir do versículo 15 lemos um diálogo entre Jesus e Pedro, ao qual Jesus pergunta: "Simão, filho de Jonas, amas-me mais do que estes?". O vocábulo na frase usada por Jesus é Ágape. Pedro responde: "Si, Senhor, tu sabes que te amo [phileo]". Jesus esperava de Pedro um amor incondicional. Mas só depois de ter experimentado esse amor, foi que Pedro pôde expressá-lo. Pedro foi crucificado de cabeça para baixo, segundo a tradição, por amor a Jesus Cristo. Em suas cartas, depois do trabalhar do Espírito Santo em sua alma, ele registrou nove vezes seu amor Ágape em suas cartas.

 O ser humano tem perdido até mesmo a sua capacidade de amar de modo phileo. O que é chamado de 'amor' na nossa sociedade não passa de desejos mesquinhos e egoístas da alma infantil que se recusa a crescer e encarar a vida como de fato é. A eterna criança em cada um deseja que seus desejos sejam satisfeitos a todo o momento. Não se importa com o outro. Não se condói em magoar para se satisfazer. Essa alma infantil e mimada em cada um no presente século tem sido a causa de inúmeras mazelas, crimes, aberrações, torturas, e tantas coisas que me causam nojo só em pronunciar.

O que eu considero hipocrisia na Igreja? A falta de coerência entre o que prega [quando prega a Verdade contida nas Sagradas Escrituras e não essas falácias ou aberrações apocalípticas geradas para serem consumidas nas redes sociais] e o que vive. Um líder incoerente tem aparência de ovelha, quando na verdade é lobo devorador. Apesar de o tema central das epístolas apostólicas ser a prática do amor como exemplo deixado por Jesus, os apóstolos atacaram muitos falsos mestres, doutrinas falsas e enganadoras, ministros que devorariam as ovelhas por interesses próprios. Paulo escreveu a Timóteo e disse que esses homens seriam "amantes de si mesmos [egoístas, egocêntricos], avarentos [excessivo amor ao dinheiro que também é chamado de idolatria], presunçosos [dão valor às aparências, não à essência], soberbos [orgulho, altivez], blasfemos [proferem mentiras contra Deus], desobedientes a pais e a mães, ingratos, profanos [que tornam imundo aquilo que é santo], sem afeto natural, irreconciliáveis, caluniadores, incontinentes [desordenado, desenfreado, sem limites], cruéis, sem amor para com os bons, traidores, obstinados, orgulhosos [vaidade excessiva, jactância], mais amigos dos deleites do que amigos de Deus, tende aparência de piedade, mas negando a eficácia dela. Destes, afasta-te. ". Segunda carta de Paulo a Timóteo 3:2-5. O versículo 7 diz que esses aprendem sempre, mas nunca chegam ao conhecimento da verdade. Paulo não está falando de homens que não pertencem à Igreja. Está falando de líderes religiosos. De pessoas cujas aparências são enganosas, quanto mais suas ações e atitudes.

Se alguns dos líderes da igreja católica têm se envolvido em crimes de pedofilia, assédio e violência sexuais, alguns dos líderes das igrejas protestantes, pentecostais ou neopentecostais, seja lá o nome que dão a si mesmas, são adúlteros e têm os olhos cheios de adultério e prostituição. Outros praticam violência doméstica e outros ainda são ladrões, desonestos e mentirosos. Não há punição a esses ministros. No máximo eles são transferidos de congregação. Eles, e boa parte da sociedade religiosa ou não, pensam que estar à frente de uma congregação faz com que estejam acima das leis humanas ou divinas. Colocam seus próprios pecados nos recônditos de suas consciências pervertidas e condenam os pecados alheios. Como disse Paulo aos Romanos 2:3: "E tu, ó homem, que julgas os que fazem tais coisas [vide todo o capítulo 1 dessa carta], cuidas que, fazendo-as tu, escaparás ao juízo de Deus?". Todos nós fomos encerrados debaixo do pecado. "Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus" (Romanos 3:23).

A Justiça de Deus de Deus não é condenar uns e absolver outros que praticam a mesma coisa. Esse tipo de justiça é humana, falha, porque não dizer, diabólica. A Justiça de Deus encerrou todos os homens debaixo do pecado. Ele fez cair as nossas iniquidades sobre Seu Filho, Jesus Cristo, que tomou sobre si as nossas iniquidades, levou a nossa cruz, morreu a nossa morte. A condenação sobre nós foi derramada sobre Jesus Cristo. Por essa razão, há perdão para os pecados. Isso se chama graça. Mas a maior desgraça do homem é achar que a graça de Deus vai nos isentar se tivermos uma vida dissoluta, desregrada e cheia de injustiça. Deus nos aceita como somos, mas não permite que continuemos nossa antiga vida de pecado. Ser filho de Deus é ter a sua semente incorruptível em nós, uma nova natureza não pecaminosa, revestida de um novo homem que não se corrompe. Todo pecado é considerado corrupção. Corromper-se é também destruir-se. Deus não pode ser considerado um juiz iníquo que absolve um e condena outro pelo mesmo ato praticado. 

Os mais religiosos podem até dizer? "Ah, eu posso pecar. Depois é só pedir perdão que Deus é bom, ele vai me perdoar". Eu respondo sem medo de errar. Isso é MENTIRA não há base bíblica para essa afirmação. As pessoas que têm uma atitude como essa não conhece a Deus. Ele é amor, mas é Justo. Justiça é dar a todos um tratamento igualitário. Por isso Deus encerrou a todos debaixo do pecado. Mas eu digo uma coisa: o sacrifício de Jesus nos oferece um novo caminho. Se o caminho é novo, então deve ser diferente. Aquele que mentia, não deve mais mentir. Aquele que roubava, não deve mais roubar. Aquele que praticava qualquer tipo de iniquidade, não deve mais praticar. Por isso é um novo caminho, por isso é regeneração [gerar de novo, de semente incorruptível, para sermos diferentes do que éramos antes].

Isso não acontece de uma vez. A justificação sim, foi um ato único na cruz. "Porque Cristo, estando nós ainda fracos [débeis], morreu a seu tempo pelos ímpios" (Romanos 6:6). E nós fomos crucificados com Ele. Por isso estamos mortos. E só depois de morrermos podemos nascer de novo. Não como os espíritas acreditam: reencarnados. Mas a semente incorruptível de Deus nasce em nós e, por essa razão, precisamos dar novos frutos, isto é, mostrar por meio de nossas ações que somos novas criaturas. Nossos frutos não serão mais para a morte, como a velha natureza vive exigindo que cometamos pecados, mas os frutos da nova criatura são diferentes, contrários até aos frutos da carne, e são para a vida eterna. (Vide Gálatas 5:19-21).

Não somos juízes. Somos seres pecadores que foram justificados pelo sangue de Jesus. A palavra 'justificar' tem sido mal interpretada por aqueles que acreditam que podem ter uma vida dissoluta. No original o vocábulo é 'dikaioo' que significa tornar, declarar, mostrar-se justo. Não é estarmos cheios de razões. Mas sim assumirmos nossa condição de pecador e deixar que Cristo trabalhe a cruz em nós. Esse trabalhar da cruz em nós exige morte de nosso ego, exige sacrifícios de nossos desejos. Aliás, se estamos em Cristo somos novas criaturas. Temos que nos reputar como mortos par ao mundo, mas vivos para Deus. Jesus disse: "Ou dizeis que a árvore é boa e o seu fruto, bom, ou dizeis que a árvore é má e o seu fruto, maus; porque pelo fruto se conhece a árvore". Se a semente que gera o filho é de Deus, então devemos ter a Sua natureza em nós. E não mais andarmos segundo o curso deste mundo.

A graça que nos salva é tão mal compreendida entre os homens que já não há limite entre o certo e o errado. Até a verdade tem sido relativizada. Na Bíblia, não há relativização da verdade, nem do amor, nem do certo ou do errado. Ela é sim, sim ou não, não. O que passa disso é de procedência maligna. Agora, eu posso dizer que Deus morreu pelos ímpios. Que Ele nos ama e nos aceita. Isso é verdade. Mas para sermos filhos de Deus e termos direito à árvore da vida, temos que nascer de novo da água e do Espírito. Temos que ter a vida de Deus em nós. Andar e praticar a justiça. E não praticarmos as mesmas obras dos homens ímpios que se corrompem todos os dias. Temos que amar os que nos odeiam e abençoar os que nos perseguem. Essa é uma das provas que somos filhos de Deus. Não podemos ser filhos de Deus e ter um comportamento como os que não são filhos de Deus. Muitos ainda têm a insanidade de buscar para seus pecados uma justificativa na Bíblia.

Não posso dizer que porque Deus me ama e me aceita que ele vai simplesmente fechar os olhos para o que eu faço e passar a mão em minha cabeça. Todo o pecado terá a justa retribuição. O que nós fazemos por meio do corpo, seja bem, seja mal, teremos que prestar contas diante do grande Juiz. E como juiz, mesmo sendo seus filhos, teremos que ser julgados segundo a lei, seja para a vida, seja para a morte. Deus é o juiz. Não é o Pai que nos julgará. Mas o Justo Juiz. Aquele que chama de injustiça a injustiça, de pecado o pecado, de santidade a santidade. Nela não há mudança e nem sombra de variação. 

Mas então. Quem se salvará? Por meio de nossas obras, ninguém. Mas pelo sacrifício de Jesus na cruz do Calvário, todo aquele que ama e pratica a justiça. Todo aquele que conhece a Deus e busca viver segundo os seus princípios. Todo aquele que foge do pecado porque foi liberto das forças do pecado. Todo aquele que é nascido de Deus e mostra em suas ações e conduta, e caráter, que é filho de Deus, regenerado. Todo aquele que tem o seu nome escrito no livro da vida e que lavou as suas vestes no Sangue do Cordeiro. Para ser salvo, eu tenho que amar a Deus sobre todas as coisas de todo o meu coração, com toda a minha mente e com toda a minha força; e tenho que amar o próximo como a mim mesmo. Se eu cumpro esses dois mandamentos, então a Palavra de Deus passa a ser uma Palavra Viva e Eficaz que gera vida em mim. Se eu sou filho de Deus, logo, meu comportamento deve ser coerente com a vontade do Deus que eu sirvo. Só assim deixarei de ser hipócrita.

Deus abençoe sua vida.


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