Verdades espirituais no Evangelho de João: breve introdução

Graça e paz do nosso Senhor Jesus Cristo a todos nós. 

Há muito desejei fazer uma leitura mais aprofundada do Evangelho segundo escreveu João. E, graças ao bom Deus que me permitiu não apenas ler, mas fazer algumas anotações, trazendo verdades espirituais para o meu coração. Eu quero compartilhar dessas verdades.

Embora seja uma leitura muito superficial e introdutória, pois ainda há algumas passagens que preciso que o Senhor lance mais luz, ela nos fará seguir um fio condutor para que a nossa meditação e contemplação nos leve a um nível maior de maturidade na palavra (nosso leite racional).

1.1. O Evangelho de João começa falando a respeito do Verbo de Deus: "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus" (1.1). 

O vocábulo /'Verbo'/ no grego é /'Logos'/ traduzido para o inglês /'palavra'/ - algo relatado pela fala; narração, narrativa (Strong 3056 [e]). A distinção entre /'Logos'/ e /'Rhema'/ é que, basicamente, para que haja /'Rhema'/ necessariamente precisa haver um /'Logos'/.

Isso pode ser melhor exemplificado pela distinção entre 'língua' e 'fala'. Uma dicotomia estabelecida por estudiosos linguísticos, especificamente, por Ferdinand de Saussure (1857-1913 - linguista e filósofo suíço) e disseminada no que é conhecido como "estruturalismo linguístico", mas não vem ao caso. A distinção entre /'língua'/ e /'fala'/ é feita da seguinte maneira: língua é um conjunto de vocábulos que compõem uma língua e fala é a realização concreta da língua. 

Se tomarmos a Bíblia como exemplo, ela seria /'Logos'/ quando tomamos todo o seu significado como a Palavra de Deus. A bíblia, diferentemente de um dicionário, que é um conjunto de palavras [léxico], não é composta apenas de palavras, mas de palavras vivas, cujos significados saltam para vida eterna. Em 1 Pe 1.23 está escrito: "Sendo de novo gerados, não de semente corruptível, mas da incorruptível, pela Palavra [Logos] de Deus, viva, e que permanece para sempre". Mais especificamente, todas as palavras que compõem a bíblia geram vida, porque são vivas. Ela é a palavra de Deus, gerada em Deus. Ela possui um caráter Universal, podendo ser entendida por todos os homens. Ela tem o poder transformador na vida do homem. A partir do momento que o homem é transformado pela palavra, ele vai sendo transformado num novo homem em todo o seu interior, refletindo isso em seu exterior. Mas não apenas isso. Essa vida nova é eterna, por isso Jesus disse que da água que ele nos desse se faria um rio que salte para a vida, o que veremos mais adiante no capítulo 4 de João.

Veremos também mais adiante quando comentarmos o capítulo 2 de João que, a ação do /'Logos'/ na vida do homem é como o milagre de Jesus ao transformar água em vinho. Por isso que /'Rhema'/ não subsiste sem o /'Logos'/. E 1 Pe 1.25 está escrito: "Mas a Palavra do Senhor [Rhema] permanece para sempre. E esta é a Palavra [Rhema] do Senhor que entre vós foi evangelizada". Em Rhema houve uma concretização oral - palavra do Senhor evangelizada. Por ser a realização oral nesse contexto, não significa que /'Rhema'/ esteja desprovida do /'Logos'/, até porque, o evangelho é uma Pessoa: Cristo. Logo, mesmo na realização concreta da Palavra, por meio da escrita ou da fala, o /'Logos'/ permanece, na medida em que o Espírito Santo nos revelar esse Logos. Logos e Rema são uma única coisa.

Se você ler a tradução para o português de ambas as palavras, não haverá distinção. Mas antes de continuar, quero deixar claro que /'Rhema'/ não se trata de confissão positiva da Palavra. A distinção entre ambos os vocábulos não dá nenhum suporte ao positivismo religioso.

Ao ser concretizada na escrita ou na fala, /'Logos'/ se torna /'Rhema'/. Então, nesse sentido, /'Rhema'/ é a Bíblia em sua forma física, realizada por meio da escrita, e expressa por meio da leitura ou da fala de seu conteúdo. Tanto Logos quanto Rhema são faces da mesma palavra. E essa Palavra, como veremos, é o próprio Senhor Jesus.

Em suma, /'Logos'/ é o conjunto dos decretos, dos mandamentos, das leis, do propósito, da obra, da glória, da pessoa e de todos os atos eternos de Deus. Por isso que, apenas ler e declarar uma passagem da bíblia não gera vida se não vier acompanhada do Logos, que é uma pessoa: Cristo. E é por essa razão que uma pessoa sem o Espírito Santo, uma pessoa que não foi transformada pelo falar do Senhor por intermédio da palavra, não compreende o que na bíblia está escrito. Jesus disse em mateus 13.11 que aos discípulos foi dado conhecer os mistérios do reino dos céus, mas a eles não. E quanto mais lemos ou ouvimos a bíblia, mais o Senhor vai abrindo os olhos do nosso entendimento, nos fazendo não apenas entendê-la, mas conhecê-lo através dela, experimentá-lo nela, pois "a fé é pelo ouvir e o ouvir pela palavra [rhematos] de Deus [Cristo]". 

Essa preposição 'pela'  no original é /'dia'/, uma preposição primária que denota o canal de um ato. Então, não se trata apenas de ouvir a palavra [rhema], mas que a palavra [rhema] será o canal que nos fará ouvi-la, isto é, é pela palavra que aprendemos a palavra. Ela se faz conhecer. Ela se faz interpretar. Ela é a fonte e a explicação de si mesma. Além disso, o que está na bíblia não é apenas para ser lido, mas visto. Na medida em que lemos ou ouvimosvemos mais claramente as verdades espirituais que compõem cada parte das Sagradas Escrituras e, isso vai se tornando em nós uma realidade, porque, ao se revelar a nós, a palavra vai se tornando em nós uma fonte viva.  

Quando Jesus falava do Reino por parábolas era porque muitos não estavam preparados para ouvir e para entender os seus mistérios: "Por isso lhes falo por parábolas; porque eles, vendo, não vêem; e ouvindo, não ouvem nem compreendem. E neles se cumpre a profecia de Isaías que diz: ouvindo, ouvireis, mas não compreendereis, e, vendo, vereis, mas não percebereis. Porque o coração deste povo está endurecido, e ouviram de mau grado com seus ouvidos, e fecharam seus olhos; para que não vejam com os olhos, e ouçam com os ouvidos, e compreendam com o coração, e se convertam e eu os cure. Mas, bem-aventurados os vossos olhos, porque vêem, e os vossos ouvidos, porque ouvem". Mt 13.13-16.

Uma coisa é você ouvir, outra é dar ouvidos ao que ouve. E Jesus explica esse processo: ver com os olhos, ouvir com os ouvidos, compreender com o coração, se converter ao que viu, ouviu e compreendeu e ser curado por Jesus (o Verbo de Deus).

Vamos avançar no Evangelho de João.

A primeira verdade espiritual que podemos extrair de João 1.1 é: "Jesus é o Verbo encarnado que manifestou a vontade, a obra, as palavras, o amor, a graça, a misericórdia, a verdade, o propósito eterno, a glória e a pessoa de Deus".

1.2. Ele estava no princípio com Deus. 

O vocábulo utilizado para /'princípio'/ é /'arche'/ que significa começo, origem; aquilo pelo qual algo começa a ser, a origem, a causa ativa. Provérbios 8 vai nos falar da excelência da sabedoria, fazendo uma alusão ao próprio Senhor Jesus. Vejamos o que dizem os versos 22 e 23: "O Senhor me possuiu ao princípio de seus caminhos, desde então, e antes de suas obras. Desde a eternidade fui ungida, desde o princípio, antes do começo da terra". 

Nos fala da eternidade de nosso Senhor. Ele não passou a existir quando foi gerado no ventre de Maria. A partir desse momento ele se tornou um de nós, mas já existia antes disso. Suponhamos que a eternidade seja um círculo: não há começo e nem fim. A era que marca o início das coisas que foram criadas, mesmo antes de o homem ser criado na terra por Deus, pelo Verbo de Deus à sua imagem e semelhança, pode ser definida como um curto espaço de tempo em que há início e fim. É apenas um marco transitório, um "recorte" na eternidade. 

Suponhamos que vamos falar sobre a história da humanidade. São milhares de anos de história. Então, didaticamente, fazemos recortes chamados de períodos e damos "nomes" a eles. Temos Pré-História e a História (cujo início se dá com o desenvolvimento da escrita). Na pré-história temos os períodos Paleolítico, Neolítico e Mesolítico. E na história, a Idade Antiga, A Idade Média, a Idade Moderna e a Idade Contemporânea. Esse recorte é para facilitar a caracterização de cada período e fazer abordagens em cada um dele de diferentes formas.

Mas a história também é marcada por dois períodos distintos: antes de Cristo e depois de Cristo. A bíblia diz: "Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei". Gl 4.4. Então houve um momento em que os tempos chegaram até à sua plenitude.

O vocábulo nesse contexto é /'Pleroma'/ que significa aquilo que é preenchido, consumado, realizado, cumprido, abundante, pleno. Esse período culmina com um brado na cruz: /'Tetelestai!'/ - Está consumado! (João 19.30). Sobre isso Strong registra: 

"Cristo satisfez a justiça de Deus pela morte por todos para pagar pelos pecados do eleito. Estes pecados nunca poderão ser punidos outra vez, já que isto violaria a justiça de Deus. Os pecados podem ser punidos apenas uma vez, seja por um substituto ou por você mesmo". 

Podemos concluir essa fala de Strong com um versículo de Romanos 8.1: "Portanto, agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus, que não andam segundo a carne, mas segundo o Espírito". Iremos tecer comentários sobre este versículo no decorrer destas anotações. Mas o que importa agora é saber que tudo o que dantes foi planejado por Deus se cumpriu em Cristo: seu nascimento, sua vida, sua obra, sua morte e sua ressurreição, que marcam um novo período para os eleitos em Cristo para serem filhos de Deus.

Até o nascimento de Jesus e até à cruz tudo o que havia na lei, nos cultos, no tabernáculo era apenas sombras, figuras do que se tornaria realidade mediante a vida, morte e a ressurreição de Jesus. Quando Jesus rendeu o seu espírito, completou-se um período em que o homem estava sob a paciência de Deus: "Sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus, ao qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue, para demonstrar a sua justiça pela remissão dos pecados dantes cometidos, sob a paciência de Deus, para demonstração da sua justiça neste tempo presente, para que ele seja justo e justificador daquele que tem fé em Jesus". Rm 3.24-26.

Tudo isso foi proposto antes da fundação do mundo. Já estava no propósito eterno de Deus que ele propusera em si mesmo. Nesse momento da eternidade, o Senhor Jesus estava lá. O período da história da humanidade, que apontava para a vinda do Cristo, culmina com a morte na cruz. A partir de sua morte e ressurreição temos uma nova realidade. Jesus cumpriu toda a justiça de Deus (Tetelestai!). Agora, o homem não mais está debaixo da lei, mas da graça de Deus. E essa graça fez com que o Senhor nosso Deus realizasse um plano de resgate tão grande, tão incompreensível a nós que, se não fosse pelo Santo Espírito nos revelando essa graça através de seu plano ou propósito eterno, jamais poderíamos compreendê-lo. 

As coisas criadas têm início e fim. Deus não. E mesmo quando Deus começou a obra da Criação, o Verbo de Deus, o Filho Amado de Deus, nosso Senhor Jesus Cristo, estava com Deus. Em Apocalipse 22.13 lemos: "Eu sou o Alfa e o ômega, o princípio e o fim, o primeiro e o derradeiro".

O vocábulo usado para princípio na fala de Jesus é /'Protos'/, o primeiro em tempo ou lugar; em qualquer sucessão de coisas ou pessoas; primeiro em posição, influência, honra. Principal, primeiro. Já o vocábulo para fim - princípio e o fim - é /'eschatos'/ de onde vem a palavra escatologia, e significa o último no tempo e no lugar. Voltando à analogia do círculo representando a eternidade, eternidade não tem princípio e nem fim. Mas o marco, o recorte feito na eternidade tem um princípio e um fim. E tudo começa em Cristo e termina nele também. Jesus Cristo está em Gênesis criando todas as coisas com o Pai, está no princípio da criação do homem desde o Éden, participa ativamente da história em suas aparições, conhecidas como Cristofania ou Teofania, relacionando-se com a humanidade caída, conduz o povo pelo deserto indo no meio deles na nuvem e na coluna de fogo e, posteriormente, no tabernáculo, sendo o governo do povo hebreu até ser rejeitado por eles. Tudo isso apontando para a vinda de Jesus como Homem, como o Filho do Homem, nascido de mulher. 

Desprezando o recorte, podemos afirmar que na eternidade o Senhor realizou tudo isso: "O qual, na verdade, em outro tempo foi conhecido, antes da fundação do mundo, mas manifestado nestes últimos tempos por amor de vós". 1 Pe 1.20. Ele estava no princípio com Deus. '/Estava'/ = /'Eime'/ significa ser, existir, acontecer, estar presente. Em outras palavras, Ele era no princípio com Deus. Ele existia, acontecia, estava presente no princípio com Deus.

A verdade espiritual que podemos extrair de João 1.2 é: Jesus e o Pai são uma só pessoa; só ele poderia satisfazer a si mesmo em sua Justiça.

Que o Senhor continue nos conduzindo em sua Palavra, nos abrindo da sua verdade, dando-nos de beber das fontes de águas vivas. 


Deus abençoe sua vida em Cristo Jesus, nosso Senhor.

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